A legislação brasileira, assim como a de muitos outros países, costuma acompanhar os avanços sociais e tecnológicos, criando normas para regulamentar novas relações e atividades. No entanto, esse processo nem sempre ocorre com a rapidez necessária. Um exemplo claro disso é o Decreto 7.962/2013, que regulamentou a atuação dos sites de compras coletivas muito tempo depois do auge desse modelo de negócio.
Embora a regulação seja essencial para garantir segurança e transparência, a demora legislativa pode tornar algumas normas obsoletas antes mesmo de sua efetiva aplicação. Esse é um desafio especialmente presente no setor tecnológico, onde as inovações ocorrem em ritmo acelerado.
O Anteprojeto de Lei de Proteção de Dados Pessoais (APL)
O Ministério da Justiça vem promovendo um debate nacional sobre o Anteprojeto de Lei de Proteção de Dados Pessoais (APL), que, uma vez aprovado, se tornará lei. Esse projeto tem ganhado relevância, especialmente por complementar o Marco Civil da Internet (MCI), cuja eficácia depende da definição e regulamentação do tratamento de dados pessoais.
Antes de abordarmos os impactos do APL no e-commerce, é importante destacar dois pontos fundamentais:
- O APL não se restringe à Internet, abrangendo todas as relações jurídicas que envolvam coleta de dados pessoais;
- A proteção se aplica exclusivamente a dados de pessoas físicas, não incluindo informações de pessoas jurídicas.
O Conceito de Dados Pessoais e sua Titularidade
O APL define dados pessoais como qualquer informação relacionada a uma pessoa natural identificada ou identificável, incluindo números identificativos, dados de localização ou identificadores eletrônicos.
A premissa central do projeto é que a pessoa é a única titular de seus dados, e terceiros só podem tratá-los com sua autorização expressa. O conceito de tratamento é amplo e engloba a coleta, classificação, utilização, arquivamento, eliminação, compartilhamento e outras formas de manipulação de dados.
Impactos do APL no E-commerce
A nova legislação trará mudanças significativas para o setor de e-commerce, afetando o modo como empresas coletam e utilizam dados pessoais. Algumas das principais disposições incluem:
- Consentimento separado: A autorização para o tratamento de dados pessoais deverá ser destacada das demais cláusulas contratuais, exigindo ajustes na estrutura dos sites e sistemas de e-commerce.
- Transparência sobre compartilhamento: As empresas deverão informar se os dados serão compartilhados com terceiros, inclusive com empresas do mesmo grupo econômico.
- Direito de consulta: Os usuários terão o direito de saber quais dados pessoais suas informações contidas nos sistemas das empresas, bem como a origem dessas informações.
- Direito de exclusão: Após o cumprimento das obrigações contratuais (pagamento, entrega, trocas etc.), o consumidor poderá solicitar a exclusão de seus dados pessoais.
- Uso de aplicativos e coleta de informações: Aplicativos que solicitam dados pessoais como condição para acesso a serviços deverão oferecer uma opção para o usuário utilizar a plataforma sem compartilhar informações além das estritamente necessárias.
A Importância da Adequação
Com o avanço da discussão e a iminente aprovação do APL, é fundamental que empresas de e-commerce acompanhem as mudanças e ajustem seus processos para garantir conformidade com a nova legislação. Investir em compliance e adequação é essencial para evitar sanções e, principalmente, fortalecer a confiança dos consumidores.
Dr. Márcio Cots
Sócio do COTS Advogados, especializado em Direito Digital, Tecnologia da Informação e E-commerce. Professor universitário nos MBAs da FIAP e convidado na FIA/USP. Mestre em Direito pela FADISP, especialista em Cyberlaw pela Harvard Law School, com extensão em Direito da Tecnologia da Informação pela FGV-EPGE. Membro do Harvard Faculty Club, da Diretoria Jurídica da ABComm e da Comissão de Direito Eletrônico da OAB/SP. Autor de diversos artigos sobre Direito Digital e coautor do livro Marco Civil Regulatório da Internet (Editora Atlas, 2014). Consultor jurídico do Sebrae Nacional e assessor de empresas no Brasil, EUA, França, Chipre e Angola em negócios digitais.