Sempre que escrevo sobre o e-commerce no Brasil, gosto de citar alguns números que expressam a importância dessa atividade em nossa economia. Recentemente, foram divulgados os números referentes ao ano de 2013. Segundo o relatório semestral publicado pelo site E-bit, o faturamento do comércio eletrônico brasileiro no ano de 2013 chegou a 28,8 bilhões de reais, um volume 28% maior do que o alcançado em 2012, superando até a estimativa da própria E-bit feita no primeiro semestre daquele ano.
Ainda segundo o relatório, no decorrer do ano, 9,1 milhões de pessoas fizeram a sua primeira compra pela internet, o que levou o número de consumidores únicos (aqueles que já realizaram ao menos uma compra online) a 51,3 milhões. A estimativa é que, em 2014, o setor cresça 20% em relação a 2013, alcançando R$ 34,6 bilhões.
Porém, esse tipo de comércio possui características bem diferentes do comércio tradicional, que é regulado principalmente pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), o que gerou uma defasagem legislativa, uma vez que uma atividade tão importante como o comércio eletrônico não possuía regulamentação específica que fosse aplicável de maneira mais segura e incontroversa.
A Regulamentação do E-commerce no Brasil
Para regular o CDC nesse aspecto, foi promulgado o Decreto n. 7.962/13, em 15 de março de 2013, como regramento basilar do e-commerce no Brasil. Vale destacar que, assim como o CDC, a nova legislação não se aplica a todas as relações comerciais virtuais, mas apenas às relações de consumo, ou seja, às compras realizadas pelo destinatário final do produto ou serviço.
No entanto, o Decreto n. 7.962/13, ao contrário do que muitos acreditavam, não foi elaborado de maneira ampla e definitiva. De um lado, criou novas problemáticas nos pontos abordados, e, por outro, permitiu que velhas questões persistissem sem solução.
Questões Importantes
Um exemplo é a questão do direito de arrependimento. O legislador não fez distinção entre produtos, apenas manteve a regra do CDC que garante ao consumidor o direito de desistir da compra em até sete dias se a mesma foi realizada à distância. Contudo, na internet, comercializam-se alguns produtos que não deveriam se enquadrar nesta regra, como alimentos, arquivos digitais (e-books, músicas, etc.), bens personalizados e artigos íntimos.
O legislador brasileiro poderia ter avançado nesse aspecto, tal como a União Europeia fez em sua Diretiva 97/7/CE, que exclui alguns itens do direito de arrependimento.
Outro ponto que envolve o direito de arrependimento é a obrigação do vendedor de informar imediatamente o cancelamento da compra às instituições financeiras e administradoras de cartão de crédito, para que elas se abstenham de cobrar ou realizem o estorno dos valores debitados. O problema aqui é que o decreto não separou claramente as responsabilidades, o que pode levar o vendedor a ser responsabilizado pela demora no estorno, mesmo sem ter controle direto sobre os meios de pagamento.
Custos de Devolução
Ademais, quem deverá arcar com o custo de devolução do produto em caso de arrependimento? Segundo o Decreto n. 7.962/13, o vendedor deverá assumir o custo do recolhimento do produto, sem que o consumidor seja cobrado por qualquer custo adicional, inclusive o da logística reversa. A Diretiva 97/7/CE da União Europeia, por sua vez, exige que o consumidor ao menos arque com o custo do frete, o que desestimula compras por impulso e a má-fé.
Problemas Não Regulamentados
Um tema importante para os operadores do e-commerce é a questão da entrega. Embora algumas legislações estaduais, como as de São Paulo e Rio de Janeiro, já estabeleçam regras sobre agendamento de entrega, no âmbito federal não há uma regulamentação pacificadora. Isso aumenta a insegurança jurídica para o fornecedor virtual, já que há diversas decisões judiciais condenando os vendedores por dano moral presumido devido a atrasos na entrega, algo que, juridicamente, é questionável.
Além disso, o Decreto n. 7.962/13 também não abordou questões importantes como os sites de compras coletivas, a bitributação de ICMS e as chamadas “listas negras” elaboradas pelo PROCON/SP, entre outros pontos.
Avanços e Desafios
Apesar das lacunas e omissões, não se pode ignorar o mérito da nova legislação. Há previsões úteis aos consumidores, como a obrigação de adequada identificação dos fornecedores, que devem incluir a razão social, número de CNPJ, endereço físico e virtual para contato de forma visível no site.
Além disso, o fornecedor deve possibilitar que o direito de arrependimento seja exercido pela mesma via em que a compra foi realizada, ou seja, online, o que implica que os sites precisem ser adaptados para atender a essa nova obrigação.
Conclusão
O Decreto n. 7.962/13 representa um avanço significativo na regulamentação do e-commerce no Brasil, mas poderia ser mais eficiente se abordasse de maneira mais ampla as necessidades e questões do setor. Certamente, há espaço para aprimoramentos que garantam mais segurança jurídica tanto para os consumidores quanto para os fornecedores.
Fonte: e-commercenews
Dr. Márcio Cots
Sócio do COTS Advogados, escritório especializado em Cyberlaw (Direito dos Negócios Digitais). Professor universitário de Direito nos MBAs da FIAP e da FIA/USP. Mestre em Direito pela FADISP e especialista em CyberLaw pela HARVARD LAW SCHOOL – EUA. Consultor jurídico da ABCOMM e de diversas empresas no Brasil, EUA, França, Chipre e Angola.