Que todas as pessoas são consumidoras é fato. Desde o Presidente ao Prefeito, do Deputado ao Vereador, do Juiz ao Oficial de Justiça, todos consomem. Todos que contratam produtos e serviços como destinatários finais têm interesse na legislação consumerista, pois em muitos momentos da vida sentem na pele a fragilidade da sua condição diante da oferta de um produto ou serviço. Impelidos pela necessidade de consumir e carecedores do nível de conhecimento próprio dos fornecedores e fabricantes dos produtos, as dúvidas sempre aparecem: estou levando coelho por lebre? Devo ou não devo? Compro ou não compro? Vale ou não vale?
Diante dessa insegurança, a lei surge para proteger os consumidores, como fez o Código de Defesa do Consumidor ao estabelecer regras básicas para as relações de consumo. Por mais controvertido que seja, o CDC representou um avanço que beneficiou a todos, direta ou indiretamente.
Contudo, atualmente, observa-se distorções na produção legislativa que parecem eleger a Internet como o local mais perigoso para o consumidor. Um exemplo é a Lei 18.805/2016, do estado do Paraná, que obriga sites de compras a disponibilizarem o histórico de preços dos últimos seis meses para produtos em promoção. Essa exigência, porém, é absurda.
Por que essa distinção entre o comércio físico e eletrônico?
Alguém já viu histórico de preços em promoções de lojas físicas? No comércio tradicional, quem deseja comprar uma TV precisa visitar diversas lojas para comparar preços. Já na Internet, essa pesquisa é facilitada por ferramentas que oferecem histórico de preços e alertas personalizados.
Defensores da lei podem argumentar que o objetivo é coibir propaganda enganosa, dado que algumas lojas aumentam os preços para depois oferecer “descontos” falsos. No entanto, impor essa obrigação apenas ao comércio eletrônico onera o setor, favorecendo o varejo físico. A adaptação à norma gera altos custos de desenvolvimento tecnológico para as empresas online.
A lei realmente protege o consumidor?
A propaganda e o marketing influenciam o consumo ao associar produtos a sentimentos e sensações. O exemplo clássico é o refrigerante que promete “abrir a felicidade”. Esse tipo de abordagem também pode ser considerado enganoso, mas não há legislação que coíba essa estratégia de mercado.
Além disso, o preço final não é o único fator determinante para definir uma promoção. Por exemplo, se o dólar dispara e um celular que custava R$ 1.000 passa a valer R$ 2.000, uma loja que mantém o preço antigo para liquidar o estoque está de fato oferecendo um desconto. Entretanto, nos termos da lei paranaense, isso poderia ser descaracterizado.
Por fim, vale lembrar que o consumidor online possui um direito exclusivo: o arrependimento da compra em até 7 dias, sem necessidade de justificativa. Esse direito garante que, ao encontrar um preço mais baixo ou perceber uma promoção enganosa, ele possa ser ressarcido integralmente.
A Lei 18.805/2016 é um dos exemplos mais claros da discriminação sofrida pelo comércio eletrônico. Casos semelhantes incluem o Projeto de Lei 986/2015, de São Paulo (felizmente vetado), e o próprio Marco Civil da Internet, que impõe regras rígidas para a segurança de dados pessoais apenas ao e-commerce, enquanto redes varejistas físicas não são submetidas às mesmas obrigações.
Considerações finais
O ato legislativo deve ser motivado por uma necessidade real e analisado dentro dos princípios da razoabilidade e adequação. Antes de impor obrigações ao e-commerce, deveríamos questionar: quantos consumidores realmente foram lesados por comércios eletrônicos no Paraná? Quantas compras foram canceladas por insatisfação com os preços? Quantas ações judiciais abordam essa questão?
Sem essas respostas, legislações como a Lei 18.805/2016 apenas reduzem a competitividade do e-commerce, beneficiando o varejo físico sem justificativa plausível.
Dr. Ricardo Oliveira
Sócio do COTS Advogados, escritório especializado em Cyberlaw (Direito dos Negócios Digitais), Tecnologia da Informação e E-commerce. Possui extensão universitária em Direito da Tecnologia da Informação pela FGV-EPGE, MBA em Gestão Estratégica de Negócios pela FIAP e especialização em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Mackenzie. Coautor do livro Marco Civil Regulatório da Internet (Editora Atlas, 2014).
Atua há quase 10 anos na área jurídica, com foco na interseção de diferentes ramos do Direito, especialmente em empresas de e-commerce e tecnologia da informação.