Todas as iniciativas legislativas que tratam de direitos trabalhistas são sempre motivo de grande controvérsia. Isso ocorre porque, mesmo aqueles que não são adeptos de Karl Marx reconhecem que os interesses do capital e da classe trabalhadora são, em grande parte, divergentes. Em um sistema democrático que permite a representação plural de interesses, é natural que as partes envolvidas defendam seus posicionamentos de forma intensa.
Muito se falou sobre a chamada Lei da Terceirização (Lei nº 13.429, de 31 de março de 2017), com discursos inflamados tanto do empresariado quanto dos trabalhadores. Para alguns, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) foi gravemente prejudicada; para outros, a nova legislação trouxe avanços e modernizou as relações de trabalho. Mas você sabe realmente do que trata essa lei?
O que mudou com a nova Lei da Terceirização?
A primeira informação importante é que, antes da nova lei, a Justiça do Trabalho não permitia a terceirização da atividade-fim da empresa. Isso significa que um banco não poderia terceirizar bancários, uma escola não poderia terceirizar professores, e uma empresa de transportes não poderia terceirizar motoristas. Como não havia uma lei específica proibindo a terceirização, a Justiça do Trabalho editou a Súmula 331, que declarava ilegal a contratação de trabalhadores por empresas intermediárias e estabelecia que, nos casos de terceirização da atividade-fim, haveria vínculo empregatício direto com a contratante.
A Súmula 331 gerou muita discussão, pois assumiu um papel que, teoricamente, caberia à lei. Apesar dos questionamentos, ela vigorou até 31 de março de 2017, quando foi publicada a nova Lei da Terceirização, permitindo a terceirização de qualquer atividade, seja meio ou fim.
A Pejotização está liberada?
Nem tanto. Pejotização é um termo usado no meio trabalhista para descrever quando um trabalhador presta serviço por meio de uma empresa própria, geralmente com menos tributação, mas sem direitos como férias e décimo terceiro salário.
A nova lei permitiu a terceirização, mas não revogou a CLT nos aspectos que definem o vínculo empregatício. Se um trabalhador presta serviço habitual, de forma pessoal, recebendo ordens e mediante salário, ele continua sendo considerado empregado, independentemente da intermediação de uma pessoa jurídica. Portanto, a terceirização fraudulenta pode levar ao reconhecimento do vínculo empregatício.
Responsabilidade das empresas contratantes
Outro equívoco comum é pensar que a empresa contratante de serviços terceirizados não teria qualquer responsabilidade sobre as obrigações trabalhistas. A nova lei estabelece que a responsabilidade do contratante é subsidiária, ou seja, ele responderá caso a empregadora terceirizada não cumpra com suas obrigações.
Isso pode gerar impactos financeiros consideráveis, especialmente para empresas que terceirizem serviços de alto valor. Por exemplo, se uma empresa de software terceirizar sua equipe de desenvolvimento para uma prestadora de serviços que, posteriormente, feche as portas sem pagar seus funcionários, a responsabilidade final pelo pagamento desses trabalhadores poderá recair sobre a contratante.
Impactos nas relações sindicais
A terceirização também pode modificar profundamente as relações sindicais. Antes, um funcionário terceirizado seguia a convenção coletiva do setor principal da empresa contratante. Por exemplo, uma copeira de um banco era considerada bancária e tinha os mesmos direitos da categoria. Com a nova lei, essa copeira passa a estar vinculada ao sindicato da empresa prestadora de serviços, que pode oferecer condições menos favoráveis.
Essa migração sindical certamente ocorrerá em diversos setores, como o de tecnologia, podendo gerar impactos salariais e na negociação coletiva.
Conclusão
A nova Lei da Terceirização trouxe significativas mudanças para as relações de trabalho no Brasil. Permitiu a terceirização de qualquer atividade, mas manteve os requisitos legais do vínculo empregatício. Empresas que adotarem práticas fraudulentas podem ser responsabilizadas judicialmente.
O empresariado deve analisar cuidadosamente as implicações dessa nova legislação para evitar passivos trabalhistas futuros. A terceirização é um instrumento válido, mas deve ser usada com planejamento e dentro dos limites da legalidade.
Dr. Márcio Cots
Sócio do COTS Advogados, especializado em Direito Digital, Tecnologia da Informação e E-commerce. Professor universitário de Direito Aplicado à Economia Digital nos MBAs da FIA/USP e FIAP. Mestre em Direito pela FADISP e especialista em Cyberlaw pela HARVARD LAW SCHOOL. Membro do Harvard Faculty Club e da Diretoria Jurídica da ABComm, com vasta experiência em legislação digital e consultoria empresarial.