Wi-Fi sem controle: sinal de perigo

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Segundo informações divulgadas em 2013, o número de internautas brasileiros superou a marca de 100 milhões, o que significa que, desde 2002, mais de 86 milhões de novos usuários ingressaram na internet. Esse crescimento se deve principalmente às novas tecnologias de acesso móvel, como tablets e smartphones, além da popularização e redução de custos de pacotes de dados móveis.

No aspecto econômico, os números são impressionantes. De acordo com a consultoria e-bit, o comércio eletrônico brasileiro estimava-se que faturaria 28 bilhões de reais até o final de 2013, um crescimento de cerca de 25% em relação ao ano anterior, com um grande potencial de expansão, considerando que apenas metade dos usuários da internet haviam realizado compras online até então.

Com a popularização da internet, é comum que prestadores de serviços, como shoppings, restaurantes, salões de beleza e companhias aéreas, ofereçam sinal de Wi-Fi gratuito aos seus clientes como um diferencial de mercado. Este diferencial tem também um forte apelo econômico, já que visa atrair mais clientes e aumentar as vendas, com a remuneração do prestador de serviços ocorrendo de forma indireta.

Contudo, muitos desses prestadores de serviço negligenciam dados importantes. Em 2013, a ONG SaferNet Brasil registrou cerca de 80.195 casos de pornografia infantil, 78.690 de racismo, 31.513 de apologia a crimes contra a vida, 15.141 de homofobia, 9.807 de intolerância religiosa, 8.328 de xenofobia, 6.177 de neonazismo e 2.729 de tráfico de pessoas, todos crimes cometidos com o uso da internet.

Embora a internet não seja responsável pela criação desses crimes, ela tem facilitado sua propagação no ambiente virtual. Vale ressaltar ainda que muitos desses crimes não são denunciados formalmente, mas resultam em pedidos de indenização por danos morais na esfera civil, e, por isso, não aparecem nas estatísticas policiais.

Dessa forma, se por um lado o fornecimento gratuito de Wi-Fi pode ser uma boa estratégia para atrair clientes, não podemos ignorar que a internet também tem sido utilizada por muitas pessoas para cometer crimes, o que, naturalmente, atrai a atenção das autoridades.

Muitas empresas oferecem conexão wireless sem controle, sem identificar os usuários ou impedir o acesso a conteúdos ilícitos. Para analisar corretamente essa prática, é importante considerar os aspectos da Lei 12.965/2014, o Marco Civil da Internet (MCI), que trouxe mudanças significativas na regulamentação do uso da internet no Brasil, estabelecendo a privacidade do usuário como um princípio fundamental.

O MCI garante aos usuários da internet os direitos à inviolabilidade da intimidade, vida privada, e das comunicações privadas. Além disso, ele determina que os responsáveis pela transmissão de sinal, como provedores de internet, tratem os dados de forma isonômica, sem distinguir o conteúdo, origem ou destino dos pacotes de dados. Ou seja, não cabe ao administrador da rede analisar o tipo de conteúdo acessado pelos usuários.

No entanto, o MCI também exige que o administrador da conexão mantenha os registros das conexões, sob sigilo e em ambiente seguro, por um período de um ano. Esses registros devem conter informações como data, hora de início e término da conexão, duração e o endereço IP utilizado para envio e recebimento de pacotes de dados.

Embora o regulamento detalhado sobre a aplicação dessas obrigações ainda não tenha sido publicado, é fundamental considerar essas questões ao estruturar uma rede de Wi-Fi gratuito, seja em empresas ou estabelecimentos comerciais.

Portanto, ao fornecer Wi-Fi, há obrigações que devem ser respeitadas, como não invadir a privacidade dos usuários, não analisar o conteúdo dos pacotes de dados, não armazenar informações sobre os sites acessados e não discriminar o conteúdo. A única obrigação explícita é a de manter os registros de conexão por um ano.

Caso o administrador da rede descumpra essas obrigações, ele poderá ser responsabilizado, levando em consideração a natureza da ação, a gravidade dos danos e os antecedentes envolvidos.

Antes de contratar uma ferramenta de Wi-Fi para seu negócio, é crucial garantir que ela esteja em conformidade com a legislação vigente, especialmente em relação à privacidade dos usuários e à possível discriminação de pacotes de dados. Às vezes, fornecedores dessas ferramentas priorizam funcionalidades sobre a observância das leis, e é nesse momento que um gestor bem informado pode fazer a diferença, escolhendo a solução certa.

Vale ressaltar ainda que, conforme o artigo 1.016 do Código Civil, o administrador pode ser responsabilizado por culpa no desempenho de suas funções, tanto perante a sociedade quanto perante terceiros prejudicados.


Fonte: TI INSIDE

Dr. Ricardo Oliveira
Sócio do COTS Advogados, especializado em Cyberlaw (Direito dos Negócios Digitais), Tecnologia da Informação e E-commerce. Possui Extensão universitária em Direito da Tecnologia da Informação pela FGV-EPGE, MBA em Gestão Estratégica de Negócios pela FIAP, e especialização em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Mackenzie. Coautor do livro “Marco Civil Regulatório da Internet” – Editora Atlas – 2014. Atua há quase 10 anos na área jurídica, focando na interação dos diferentes ramos do Direito, especialmente para empresas do comércio eletrônico e tecnologia da informação.

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