Publicado em: Moip
O desenvolvimento deste artigo tem como enfoque principal a abordagem de questões jurídicas relativas ao comércio eletrônico. Desse modo, trataremos, tanto o aspecto relativo às principais figuras jurídicas envolvidas, bem como, à aplicabilidade das legislações vigentes em nosso sistema jurídico de acordo com cada tipo de relação juridicamente estabelecida. Portanto, os tópicos aqui tratados certamente despertarão grande interesse a todos aqueles que planejam abrir um estabelecimento virtual, ou pretendem se inteirar sobre o assunto.
Compreendendo melhor os tipos relações comerciais que surgem a partir do e-commerce:
Inicialmente, é necessário ter em mente que o comércio eletrônico se utiliza de meio virtuais para efetivar a prática do comércio, colocando à disposição de seus clientes uma determinada mercadoria ou serviço. Partindo dessas premissas, constata-se a existência de diferentes tipos de relações comerciais, as quais podem ser diferenciadas através das partes que integram a relação, vejamos, por exemplo o chamado B2C (business to consumer), que define a prática comercial realizada entre empresas e consumidores, já no B2B (business to business) apenas entre empresas e no C2C (consumer to consumer) as relações se estabelecem entre consumidores.
Sendo assim, ao analisarmos os aspectos jurídicos verifica-se que nem toda relação comercial eletrônica recebe o amparo jurídico da mesma legislação ou sistema normativo. Nesse sentido, vejamos que a aplicação da norma está condicionada a relação jurídica tratada caso a caso.
Da aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor:
Grande parte das relações jurídicas que se desenvolvem no âmbito do e-commerce recebem a proteção assegurada através das regras e princípios consagrados no Código de Defesa do Consumidor. No entanto, a referida legislação somente será aplicável quando, de fato, for possível identificar os elementos essenciais que diferenciam a relação de consumo das demais.
Nesse sentido, vejamos que existem duas principais figuras com importante destaque dentro dessa relação, razão pela qual o Código Consumerista apresenta de forma detalhadas as principais características de cada uma delas. Consequentemente, a relação de consumerista será efetivamente consolidada com a presença do “fornecedor” de produtos ou mercadorias, tendo como traço definidor o desempenho da atividade como profissão e o “consumidor”, aquele que utiliza o serviço ou a mercadoria como destinatário final.
Deste modo, identificada a presença de todos os elementos essenciais anteriormente descritos, estaremos diante de uma relação de consumo. Assim, diante das considerações pautadas, constata-se que grande parte das relações jurídicas efetivadas através do e-commerce se enquadram aos liames ditados pela referida legislação.
Para tanto, vejamos que as boas práticas no comércio eletrônico estão essencialmente fundamentadas pelas regras dispostas no Código do Consumidor, que esclarece as condutas a serem observadas pelas empresas que colocam à disposição, seja através de loja física ou virtual, seus serviços ou mercadorias. Sendo assim, alguns pontos principais merecem destaque, como faremos a seguir.
Primeiramente, é importante ressaltar a questão relativa ao fornecimento de informações claras e ostensivas, isto é, uma loja virtual deve sempre promover a descrição do produto ou serviço com riqueza de detalhes, concedendo ao consumidor os esclarecimentos necessários para efetivação da compra, observando, portanto, o Princípio da Informação.
O segundo ponto refere-se à hipossuficiência do consumidor retratada na legislação vigente, sendo este a parte vulnerável da relação de consumo. Carecendo em razão disso atenção especial quanto a forma da tratativa da comercialização eletrônica, ou seja, o detalhamento pormenorizado do contrato a ser formalizado.
Ademais, em conjuntura com os demais Princípios, todas as condutas adotas devem ser dirigidas pelo Princípio da Boa-fé, o qual está intimamente ligado a questão anteriormente mencionada. Isso porque, a omissão ou o fornecimento parcial de uma informação importante no momento da contratação, rompe com os preceitos consagrados tanto pelo Princípio da Informação, quanto pelo o Princípio da Boa-fé.
Os termos de ofertas veiculados obrigam o fornecedor, ou seja, as formas e condições relacionadas ao termo aderem o contrato estabelecido entres as partes, o que significa dizer que o fornecedor de sempre se atentar as informações contidas em cada oferta.
Importante ainda esclarecer que além do Código de Defesa do Consumidor existem “leis esparsas” – leis soltas, aplicáveis às relações jurídicas que surgem através do e-commerce, portanto, cada Estado da Federação possui legitimidade para legislar sobre a questão. Desta forma, todas as empresas que desenvolvem sua atividade no âmbito do comercio eletrônico devem também alinhar suas condutas as regras implementadas dentro do seu território de atuação.
As condutadas adotadas tanto pelos fornecedores como pelos consumidores devem ser pautadas pelo Princípio da Boa-fé, isto é, sem que importe em prejuízo às partes envolvidas. Muitos enfatizam o Princípio em menção apenas em relação ao fornecedor, contudo, é necessário esclarecer que a boa-fé deve ser observada por todos aqueles que integram a relação, a fim de afastar qualquer conduta lesiva as partes.
Em 1990, ano em que o
Código de Defesa do Consumidor foi criado, o comércio eletrônico ainda não possuía grande relevância para o cenário econômico. Tornando justificável a criação do decreto n. 7962 apenas no ano de 2013, momento que a prática do e-commerce no Brasil começou a ocupar um lugar de maior destaque no âmbito comercial e econômico, necessitando assim de regulamentação específica. Assim, certamente, muitos passaram a se questionar se a referida norma afasta a aplicação do CDC, e nossa resposta quanto a esta possível indagação é: NÃO!
Na verdade, a regulamentação através do Decreto em menção passa a tratar de forma pormenorizadas as questões relativas ao comércio eletrônico, não anulando em contrapartida a aplicação do Código de Defesa do Consumidor às relações de consumo juridicamente identificadas. A partir disso, passaremos a abordar os principais aspectos trazidos no bojo da referida norma.
De acordo com regulamentação implementada pelo Decreto 7962, exige-se a disponibilização nos respectivos sites a identificação completa do fornecedor, devendo a constar em local de destaque, ou seja, de fácil visualização, devendo constar os seguintes dados: a razão social, nome completo do fornecedor, número do Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) ou Cadastro de Pessoas Jurídicas (CNPJ), dependendo se for pessoa física ou jurídica. Importante enfatizar que a identificação deve ser veiculada em local de destaque, não podendo ser disponibilizada no rodapé da página, como comumente se observar nos sites.
Apesar do subjetivismo contido no termo empregado quanto ao “local de destaque”, é fácil compreender a pretensão do legislador, que sem sombra de dúvida se utiliza do bom senso ao empregar a expressão utilizada na norma, concluindo-se assim, que os dados de identificação do fornecedor devem ser veiculados em local facilmente visível, isto é, que não se depreenda de grandes esforços para a obtenção das informações desejadas pelo consumidor, temos como exemplo as dados contidas em um link ou no final da página.
Outro aspecto retratado no Decreto em menção refere-se a obrigatoriedade por parte dos fornecedores em disponibilizar em seus respectivos sites os endereços físicos e eletrônicos. Tal imposição tem como objetivo viabilizar ao consumidor a localização do fornecedor caso haja necessidade de formalizar eventuais reclamações perante os Órgãos de Proteção, ou até mesmo na esfera do judiciária. Ainda assim, observe-se que não há nenhuma exigência quanto ao atendimento presencial aos consumidores, vejamos que a norma se limitou a estabelecer apenas a menção do local físico.
Seguindo os mesmos preceitos do Código de Defesa do Consumidor, o Decreto igualmente esclarece a importância da veiculação de informações claras e precisas aos consumidores.
Ou seja, que não dê margem a interpretação diversa, transmitindo as devidas informações com riquezas de detalhes sobre o serviço ou a mercadoria que está sendo ofertada, devendo, inclusive, apontar eventuais riscos que à saúde e à segurança, discriminando as informações essenciais, quantidade, tamanho, preço e despesas adicionais ou acessórias, tais como taxas de entrega ou seguro.
Bem como, as modalidades de
pagamento online esclarecendo a incidência ou não de juros quando optada pela forma parcelada, devendo também informar a disponibilidade do produto e ou serviço, forma e prazo para execução. Além disso, não se pode esquecer que as informações contidas na oferta veiculada obrigam o proponente a cumprir com exatidão os seus termos.
Antes de realizar o fechamento do pedido, o fornecedor deverá apresentar as informações contratuais, isto é, o sumário do contrato que aborde essencialmente as principais informações relativas a compra eletrônica efetivada, devendo conter o tipo de contratação (compra e venda ou prestação de serviço), forma de pagamento, o modo de entrega do produto ou execução do serviço, data aprazada para o vencimento das obrigações, condições para a rescisão contratual, destacando inclusive eventuais cláusulas que limitam o exercício de direito.
Vejamos que o sumário do contrato deve reportar as principais informações contratuais, observe-se que o intuito do legislador é justamente permitir que a parte contratante se atenha melhor aos detalhes do contratado que está prestes a ser celebrado. Assim, caso ainda reste alguma dúvida quanto as informações indexadas, o consumidor ainda terá a oportunidade para analisar com mais calma os direitos e obrigações que surgirão a partir da efetivação do contrato.
Sugere-se ainda que no sumário haja a disponibilidade de aceite e ciência dos termos contratuais, implicando a expressa manifestação de vontade da parte e concretizar o negócio. Ultrapassada a etapa descrita anteriormente, e devidamente formalizada a realização do contrato, cabe ainda ao fornecedor a disponibilização do contrato em sua íntegra ao consumidor, de forma que seja possível sua reprodução e conversão.
Geralmente os arquivos são concedidos por meio da extensão PDF (Portable Document Format), por ser mais difícil a modificação de seu conteúdo. Ressalte-se que as mesmas informações contidas no sumário também deverão constar no contrato, sendo que neste último o conteúdo deverá ser mais detalhado.
Após a concretização de todos os processos da compra por parte do consumidor, compete ao fornecedor informar que recebeu o pedido ou aceitou a compra. Quanto a forma de confirmação, a norma não exige nenhuma forma específica, mas comumente é realizada a partir da confirmação encaminhada ao e-mail cadastrado pelo consumidor.
Outro aspecto relevante tratado pela norma diz respeito ao atendimento eletrônico, que deverá satisfazer os anseios dos consumidores, isto é, deverá ser colocado à disposição meios de atendimento eletrônicos eficientes, capazes de sanar eventuais dúvidas, formalizar reclamações, fornecer informações necessárias e até mesmos efetivar o cancelamento do pedido.
Assim, quanto maior a diversidade dos meios eletrônico, não poderá o consumidor alegar desconhecimento dos mecanismos colocados à sua disposição.
Os fornecedores deverão utilizar mecanismos que assegurem a segurança e o sigilo das informações indexadas em suas plataformas pelos consumidores relativas aos dados pessoais e bancários, sendo ilegal o repasse de tais informações.
Contudo, é sabido que o fornecedor não tem como evitar o vazamento das informações dado o grau de especialidade de alguns criminosos cibernéticos, no entanto, deverá demonstrar a adoção dos mecanismos necessários a proteção dos dados fornecidos por seus consumidores, por exemplo, a utilização de
firewall,antivírus, teste de invasão, dentre outros.
Da mesma forma que o CDC retrata o direito de arrependimento, a norma em análise igualmente prevê a possibilidade de o consumidor manifestar seu arrependimento, desde que observadas as formalidades exigidas para tanto. Nesse sentido, o fornecedor deverá informar de forma ostensiva que o direito de arrependimento deve ser exercido no prazo de sete dias contados a partir da entrega da mercadoria, dispensado qualquer justificativa para efetivação do cancelamento.
Atentemo-nos ao fato de que o marco inicial para a contagem do prazo é a data do recebimento do produto e não a data da realização da compra. Ainda assim, importante esclarecer que o fornecedor deverá permitir o cancelamento da compra através dos meios eletrônicos, ou seja, da mesma maneira que a compra foi celebrada.
Ademais, em caso de cancelamento é obrigação do fornecedor encaminhar notificação ao consumidor informando a ciência do cancelamento do pedido, devendo ainda adotar as condutas pertinentes a fim de reaver o produto ou mercadoria encaminhada, sem que isto gere qualquer custo ao consumidor. Deste modo, não se pode confundir o direito de arrependimento com outras situações, que guardam certa similaridade, como por exemplo a troca por mera liberalidade em que se efetiva a devolução da mercadoria, e as trocas e devoluções por defeito ou vício no produto. Assim, vejamos que as trocas por vício ou defeito não acarretam nenhum custo adicional ao consumidor.
Outra obrigação do fornecedor é a realização do estorno de valores recebidos caso haja o cancelamento da compra, devendo o mesmo informar a instituição financeira ou administradora do cartão de crédito a fim de se impedir o prosseguimento da transação, evitando-se a realização do lançamento financeiro. Verifica-se que o Decreto nº 7962/2013 não delimitou a responsabilidade nas hipóteses ausência de estorno do valor pago, ou no caso de demora para efetivação do procedimento.
Ainda assim, outro aspecto considerável reporta a importância dos termos de uso do site e das políticas, para tanta, caberá ao empresário de comércio eletrônico regular a forma de utilização de seu site pelo consumidor, estabelecendo também as regras para validação do pagamento, entregado do pedido, cancelamento da compra dentre outros aspectos que se mostrem relevantes de acordo com o tipo de negócio. Outra dica preciosa, refere-se aos cuidados necessários para o desenvolvimento do site e das ferramentas relacionadas, como por exemplo, controle de estoque, a questão da logística e da parte financeira.
Existem diversas empresas que realizam esse tipo de serviço popularmente conhecido como plataforma, entretanto, é plenamente possível sua realização de forma interna. Assim, finalizamos o presente artigo que retratou de forma sucinta as principais nuâncias correlatas ao comércio eletrônico e a necessidade de se observar os ditames legais seja por intermédio do referido Decreto, do CDC, ou por força de lei específica aplicável ao caso.
*Este artigo foi escrito em co-autoria pelo Dr. Márcio Cots (sócio do COTS Advogados) e pela Dra. Alana Vicente (Advogada associada do COTS Advogados).