O que fazer quando seu filho vaza vídeo íntimo na internet?
O caso ganhou repercussão nacional: uma mãe de Belo Horizonte, Minas Gerais, aplicou uma surra no filho adolescente depois de saber que ele filmou um vídeo íntimo feito com a ex-namorada e que a gravação acabou caindo e "viralizando" na internet. Irritada, a mãe, então, gravou o "corretivo" dado no adolescente e enviou para a ex-namorada, a maior vítima de toda a história. Aí o episódio ganhou novos contornos: o vídeo com as chineladas também acabou caindo na web.
Em entrevista ao site de notícias "G1", a mãe disse que a intenção era mostrar para a ex-namorada do filho que a filmagem era inadmissível e que o vídeo da surra era para ficar apenas entre as duas. A mãe do rapaz afirmou ainda que o vídeo do castigo "virou uma vergonha para toda a família" e responsabilizou a ex do filho pela divulgação.
A mãe do adolescente, então, desabafou no Twitter, depois, que o assunto ganhou as redes sociais e os principais sites de notícias. "Meu filho não divulgou o vídeo de ninguém. Eu bati nele por ter filmado a ex. Mandei para ela ver que eu não aceito essas coisas. Era para ser entre nós", declarou ela. "Bati para ele aprender a lição. O castiguei mesmo sabendo que não foi ele quem espalhou o vídeo. Castiguei pelo fato de ter filmado. E castigaria outra vez!", completou a mãe no Twitter.
De acordo com o Conselho Tutelar, se denunciada, a mãe do adolescente pode responder por expor o filho à violência física e psicológica e pelo constrangimento devido à publicação do vídeo. O ato é considerado crime, com base na Lei da Palmada e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Você concorda com a atitude da mãe?
Segundo os psicólogos consultados pelo Tempo de Mulher, ainda que o episódio seja extremamente grave e inadmissível, a punição física não é o caminho mais apropriado. "Nunca devemos bater em um filho. Essa atitude é injusta, agressiva e nada educativa. Essa mãe não soube resolver o problema. Ela está perdida, não sabe o que fazer e precisa de ajuda para educar o rapaz", opina a terapeuta familiar Roberta Palermo.
“Já sabemos que esse novo hábito [de compartilhar vídeo íntimo] está fervendo na adolescência, então, pais e mães precisam ensinar seus filhos a nunca filmarem esses momentos, nem mandar fotos íntimas e, muito menos, espalhar o vídeo de outra pessoa", completa Roberta.
Para o psicólogo clínico Luciano Passianotto, além de fazer a coisa errada, a mãe acabou atraindo ainda mais atenção para o fato. "Isso certamente prejudicou mais a situação constrangedora pelo qual a garota exposta já tinha passado", avalia. Po sua vez, Cynthia Wood, que é psicóloga e psicopedagoga na Clínica "Crescendo e Acontecendo", entende que a mãe não soube mostrar da forma correta ao filho onde ele errou e porque errou.
“Infelizmente, a mãe tomou a máxima "olho por olho, dente por dente" nesta situação, agredindo o filho verbal e fisicamente ao gravar um vídeo no qual expõe a agressão. Isso gera uma situação humilhante para o rapaz em vez de aprendizado. O envio desse vídeo traz consequências emocionais como a quebra do vínculo de confiança entre filho e mãe", adverte Cynthia.
A lição que as chineladas dadas pela mãe do rapaz traz, reforça Triana Portal, psicóloga clínica e psicoterapeuta, até pode ser adquirida, mas será por meio do medo e não trará o aprendizado, entendimento e a compreensão do que é certo e errado. "A mãe agiu por impulso, baseada na crença de que a violência resolve tudo", ressalta.
Já para a garota ficam os danos emocionais e o preconceito diante de uma sociedade machista que procura sempre colocar a culpa nas mulheres. "A vingança, nesse caso, tem um peso na questão de gênero. A mulher é sempre mais afetada porque, culturalmente, quando exposta sua intimidade e sexualidade, acaba com sua moral e fica maculada. E para o homem isso pode até enaltecer, mas, sim, há danos para o rapaz. Além das violências física e psicológica causadas pela surra dada pela mãe, fica o constrangimento da exposição e, certamente, isso causará danos emocionais por um bom tempo", completa Triana.
Vazamento de vídeo íntimo ainda não é crime
De acordo com a advogada especialista em Direito Privado, Cecilia Helena Ziccardi Teixeira de Carvalho, sócia responsável de Bobrow e Teixeira de Carvalho Advogados, o vazamento de vídeo íntimo ainda não é tipificado como crime. Ela ressalta que a Lei 12.737/2012, conhecida como Lei Carolina Dieckman, apesar de ser um avanço, criminaliza apenas a invasão de computadores para obtenção de vantagem ilícita, e não a exposição do conteúdo íntimo em si.
Mas tudo poderia mudar se o Projeto de Lei 6.630/2013, de autoria do Deputado Romário Faria, entrasse na pauta do Congresso Federal. Isso porque propõe tornar crime a divulgação de fotos ou vídeos com cena de nudez ou ato sexual sem autorização da outra pessoa. A pena de detenção seria de um a três anos, sem prejuízo de multa, além de indenização para a vítima por danos materiais e morais.
Para Márcio Cots, advogado especialista em Direito Digital, os tribunais têm enquadrado os vazamentos de vídeos íntimos nos crimes de injúria e difamação. "O fato de vazar o vídeo sem autorização, muito mais pelo intuito de causar dano à imagem da pessoa e à honra dela, é tipificado como injúria ou difamação. Agora, se há outros objetivos por trás do vazamento, como o de não apenas denegrir a imagem, mas também um caso de chantagem para que a filmagem não seja exposta, aí também pode ser considerada extorsão", afirma o advogado.
Fonte: Tempo de Mulher
Dr. Márcio Cots
Sócio do COTS Advogados, escritório especializado em Cyberlaw (Direito dos Negócios Digitais) com sede em São Paulo e, sócio do escritório norte-americano CyberLawStudio PLLC com sede em Nova Iorque. Professor universitário de Direito nos MBAs da FIAP e atua como Professor Convidado nos MBAs da FIA/USP. Mestre em Direito pela FADISP, especialista em CyberLaw pela HARVARD LAW SCHOOL - EUA, com extensão universitária em Direito da Tecnologia da Informação, pela FGV-EPGE. Membro do Harvard Faculty Club. Membro da comissão de crimes eletrônicos e de alta tecnologia da OAB/SP e consultor jurídico da ABCOMM.
Autor de diversos artigos sobre o tema Direito Digital e coautor do livro Marco Civil Regulatório da Internet – Editora Atlas – 2014. Foi assessor jurídico de órgãos de representação na discussão do Marco Civil regulatório da Internet no Brasil e vem assessorando estas entidades nas discussões do Anteprojeto da Lei de Proteção de Dados Privados. É consultor jurídico do SEBRAE Nacional, para propositura de políticas públicas relacionadas ao comércio eletrônico e inovação (startups), tendo assessorado empresas no Brasil, EUA, França, Chipre e Angola. Foi Diretor Jurídico e de Compliance de empresas de tecnologia por mais de 10 anos.