Cross Border: como funciona a legislação para vender no exterior?
Por: Alice Wakai
Tema de capa da Revista E-Commerce Brasil de junho, o
cross border está entre os principais temas no e-commerce deste ano. Segundo dados da
Research e Marketers sobre o B2C e o e-commerce ai dobrar de tamanho até 2017. Mas quais são os detalhes jurídicos e legislativos para operar no exterior? Para responder esta e outras questões, conversamos com o especialista em direito digital, Márcio Cots. Confira:
ECommerce Brasil: Um dos temas mais discutidos durante a crise e a desaceleração do mercado de varejo (e também do e-commerce) na atualidade é a possibilidade de vender no exterior. No caso do cross border, que tipos de legislação regulamentam a atividade (alfândega, políticas de devolução, etc)?
Márcio Cots: Apesar de o comércio eletrônico ser relativamente novo, e o comércio eletrônico internacional ainda mais, a temática não foge de uma das formas mais tradicionais de comércio, qual seja, a de exportação de produtos. A análise preliminar da venda para o exterior deverá partir da verificação dos acordos internacionais, dos acordos de bitributação dos quais o Brasil seja signatário, acordos como Mercosul, etc., devendo ser feita uma análise conjunta.
Não menos importante é a verificação da legislação aduaneira nacional, e também das demais normas que prevejam incidência de tributos na operação. Por exemplo, um acordo internacional poderá prever alíquota inferior ao teto mínimo aplicado nacionalmente, pois eventualmente o Governo poderá ter o desejo de fomentar a exportação. Também poderá evitar que haja dupla incidência de imposto. De forma geral, sobre a operação de venda originada no Brasil com destino ao exterior, a alíquota de ICMS e ISS é zero, e também não incidem PIS/COFINS nem IPI.
Recomenda-se também analisar três elementos: o que se pretende exportar, qual modalidade de transporte e o custo do produto. Dependendo das respostas existirá maior ou menor burocracia e custo para a operação. Um ponto positivo é que o Governo Brasileiro costuma incentivar a exportação de produtos, muitos com alíquotas zero, bem como estabelece regras menos rigorosas para o envio dos produtos, o que facilita a vida do vendedor.
Ao sair do Brasil o produto ingressa em um outro Estado com regras que podem ou não coincidir com as brasileiras (prazo de arrependimento, devolução, garantia, segurança, etc.), motivo pelo qual é recomendável, que o vendedor não inicie suas operações sem antes estudar minimamente os mercados aos quais destinará seus produtos. Isso fará com que não seja surpreendido futuramente.
Quanto a este tema, também consultamos nosso parceiro europeu,
José Baños (sócio-fundador do
Letslaw – escritório especializado em negócios digitais) para responder essa pergunta com a visão de seu mercado. Para ele “se um e-commerce brasileiro, sem uma operação local na Espanha, quer vender seus produtos no mercado espanhol, deve se adaptar aos termos e condições do seu site à legislação espanhola, se adequando ao Decreto Real Legislativo 1/2007, de 16 de novembro, que aprovou o texto consolidado da
Ley defensa consumidores y usurários”.
Ainda segundo
Baños, o comércio eletrônico brasileiro deve respeitar os direitos dos consumidores e deve respeitar, além de ter o dever de fornecer aos consumidores as seguintes informações:
a) as características das mercadorias;
b) a identidade do empresário (incluindo detalhes relativos ao nome registrado do empreendedor, troca de nome completo endereço e número de telefone);
c) o preço total, incluindo todos os impostos, encargos e garantia;
d) a existência de uma declaração de que as mercadorias estão em conformidade com o contrato, a existência e os termos de quaisquer serviços de pós-venda e garantias comerciais;
e) informar a existência do direito de arrependimento que o consumidor possui (14 dias corridos).
Consultamos também a nossa sócia nos Estados Unidos,
Julia Cheng (Sócia do
CyberLawStudio PLLC – escritório especializado em negócios digitais), que informou que “nos EUA é importante se atentar aos contratos que estão disponíveis online, dentre eles: termos de entrega, termos de serviços, políticas de entrega, reembolso e até pagamentos, pois é da cultura do americano acompanhar e ler atentamente todos os contratos expostos no site”. Há de se salientar que os EUA não contam com uma legislação de defesa do consumidor (como o CDC, que existe no Brasil), fazendo com que os termos de uso passem a ter uma relevância maior.
ECB: No sentido inverso – varejistas de fora, como Alibaba, que vendem no Brasil – o que a legislação brasileira prevê?
Márcio Cots: Se pensarmos como exemplo a situação de um fornecedor chinês que queira vender produtos no Brasil, veremos que o consumidor brasileiro terá uma forte carga tributária incidente sobre sua compra:
Importo de Importação – II – calculado tendo como base o valor aduaneiro, possuindo alíquotas variáveis por produto;
Imposto Sobre Produtos Industrializados – IPI – também possui alíquotas variáveis por produto conforme a tabela TIPI;
ICMS – Importação, cada Estado no qual a mercadoria for desembaraçada determinará a alíquota incidente, em São Paulo, por exemplo, a base de cálculo deste imposto é o valor constante do documento de importação, acrescido do valor do II, IPI, IOF, bem como de quaisquer outros impostos, taxas, contribuições e despesas aduaneiras;
PIS-Importação (1,65%), COFINS-Importação (7,6%, regra geral), IOF (0,38%), além da taxas aduaneiras.
Importante considerarmos que para a mensuração das alíquotas serão avaliados diversos pontos, entre eles a essencialidade do produto, se o produto possuir similar nacional, a existência de acordos internacionais, etc.. Em suma, a legislação brasileira busca tributar fortemente a importação de produtos, e de forma contrária, estimula a exportação.
Do ponto de vista da legislação consumerista não há distinção entre vendedor locado no Brasil ou no exterior. Todos são tecnicamente denominados “fornecedores” pela legislação brasileira (art. 3º do CDC), tendo exatamente as mesmas obrigações. O que ocorre é que muitos fornecedores estrangeiros, ao não possuir representação em território nacional, frequentemente não são acionados judicialmente ante a dificuldade de se manter um processo judicial no exterior (seja no país de origem, seja por carta rogatória).
Por fim, ressalte-se que alguns fornecedores estrangeiros estão fazendo uso de marketplaces brasileiros para intermediação de suas vendas. Neste caso o
marketplace poderá ser responsabilizado perante o consumidor nacional, especialmente se atual ativamente como se fosse o próprio fornecedor do produto.
ECB: Cada país tem um tipo de lei? Existe algum padrão de legislação de países (ou comportamento mais ou menos parecido nas alfândegas) ou são muito diferentes entre si?
Márcio Cots: Do ponto de vista da proteção do consumidor há grandes similitudes entre a legislação dos países com a mesma tradição jurídica, como, por exemplo, a anglo-saxã. Por outro lado, a Organização das Nações Unidas – ONU possui modelos de leis que podem servir de parâmetro ou matéria prima das leis nacionais, o que certamente produz alguma padronização na legislação de vários países.
Se nos voltarmos ao aspecto tributário ou fiscal, a questão fica mais complexa, pois cada Governo conta com interesses políticos e econômicos bastante diversos. Por exemplo: na Espanha,
José Baños afirma que “quando um consumidor espanhol compra on-line um produto de uma empresa estrangeira, esta empresa deve cumprir com as disposições legais estabelecidas no código aduaneiro comunitário (Regulamento Nº 952/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de outubro 2013)”.
Isso significa que o conhecimento da legislação espanhola é essencial para quem deseja vender aquele país. Todavia, para tentar harmonizar as regras entre os Estados é importante o papel dos acordos internacionais e blocos econômicos, que pretendem desburocratizar e viabilizar o comércio internacional entre países com ordenamentos jurídicos tributários distintos.
ECB: Existe algum país onde as vendas cross-border são mais incentivadas ou que a burocracia seja menor?
Márcio: Em regra, todos os países incentivam a venda para o exterior dos seus produtos. De outro lado, a tributação incidente sobre a entrada de produto importado dependerá da análise econômica que o destinatário exige. Como já citado, na entrada de produtos importados, será analisada sua essencialidade, se há produto similar dentro do País, entre outras medidas de políticas econômicas que são peculiares de cada País.
ECB: Como o varejista de
e-commerce que quer vender via
cross-border deve se preparar (no aspecto jurídico)?
Márcio: Estudar os mercados nos quais os produtos serão oferecidos é essencial. É necessário saber como funciona a alfandega e as leis ligadas ao consumidor. Para tanto sugere-se a parceria com advogados locais, a fim de que o estudo seja o mais preciso possível.
Se a operação envolve determinado risco passível de discussão, também é útil, se houver dúvidas, realizar consultas nos órgãos governamentais e fortalecer o modelo de negócio com pareceres jurídicos.
ECB: Que tipos de impostos ou tarifas o varejista precisa ter em seu orçamento para verificar a viabilidade de vender internacionalmente?
Márcio: O varejista do e-commerce deverá definir os países que serão atendidos para a análise dos tributos previstos no País de destino. Para determinar internamente os custos da importação, a Receita Federal disponibiliza um simulador, no qual será inserido o NCM do produto, o valor aduaneiro, e a moeda do País de destino. Mediante esta simulação será estimado o valor que o empresário pagará para importar (incluídos tributos e taxas administrativas).
Fonte:https://www.ecommercebrasil.com.br/eblog/2016/06/27/cross-border-como-funciona-a-legislacao-para-vender-no-exterior/